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Problematizando Resenhas

“Os outros” ou o Brasil na frente do espelho

Na última sexta (07), chegou à Globoplay o último episódio da série “Os outros”, lançada em maio de 2023. Em doze capítulos, adentramos a vida dos moradores de um condomínio de classe média na cidade de São Paulo.

De uma briga banal entre dois adolescentes na quadra esportiva do condomínio, as famílias entram em uma guerra não tão fria, onde o simples desentendimento desencadeia a sede de vingança, os ataques físicos e violências das mais variadas.

É interessante notar que, inicialmente, dá-se a impressão de que estamos diante de uma família “do bem” versus uma família com requintes “maquiavélicos”, observados no pai e no filho.

Vale lincar esse aspecto com o modo como o nome da série é estampado nas aberturas e vinhetas: primeiro vemos surgir o SOU e depois OS OUTROS: “sou” contido em “os outros”. Logo, se o problema são os outros, não deixam também de ser o “eu”, o “sou”.
Assim, a família que se sente atacada pelo “mal” – o outro núcleo familiar – acaba por transformar-se, por meio de atitudes e decisões, também nesse outro, nesse mal do qual se sente vítima.

A série acaba por escancarar o Brasil atual: um Brasil diante do espelho. Relações sem diálogo, baseadas no olho por olho, dente por dente, na justiça com as próprias mãos. Além de vermos que todos os vínculos sociais são mantidos na base da troca, do benefício ilícito diante de alguma oportunidade que apareça. E isso desde a síndica Lúcia até o porteiro do outro prédio em que ela morou. Todos buscam ganhar algo em cima das agruras vividas pelos outros. É a moral em seu estado de putrefação. Mas todos ali também se nomeiam cidadãos de bem.

Um dos personagens centrais para o desenrolar de todas as chantagens, corrupções morais e abusos é o Sérgio (interpretado por Eduardo Sterblitch) o ex-policial e atual miliciano que fica encarregado da segurança do condomínio. Sérgio personifica um dos grandes males do país, pois desvela como as figuras da milícia atuam: ameaçando, extorquindo e matando, em conluio com um órgão público que deveria proteger suas vítimas: a própria polícia. Sistema asfixiante.

A autoridade dentro do condomínio, assim como ele, é toda fechada, ou seja, fica a cargo do síndico e das decisões – erradas ou não – que ele toma. As leis do lado de fora estão suspensas, o que vale é o ocorre ali dentro.

A passividade dos moradores diante dos desmandos também nos recorda algo do nosso contexto. Moradores estes que anseiam por tanta proteção do mundo externo, quando o perigo e o mal emanam deles próprios.

Vale citar que o espaço do condomínio funciona como personagem dentro da série, uma vez que as fotografias e quadros se pautam nessa arquitetura, bem como as tensões aumentam nas cenas de elevadores, corredores, sacadas dos apartamentos, ou filmagem das câmeras de segurança. É nele onde tudo se desenrola. É ele o palco atuante e não somente paisagístico dos acontecimentos da série.

As apreensões naturais das cenas também ganham força com a trilha sonora, a qual é carregada de clássicos orquestrais que: ora dramatizam, ora aterrorizam as situações.

“Os outros” é mais uma baita produção brasileira no mundo do streaming que conta com um elenco de peso! Vale a pena ser apreciada! 

Por isabelanascimento

Professora e bacharel em Letras e Língua Espanhol, Mestra em Estudos literários com foco em ficção brasileira contemporânea.
Canal Literário no Youtube: Livro, leve e solta

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